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Os advogados e a ditadura de 1964
Oswaldo Munteal e Verônica Dalcanal*



Na noite do dia 1º de novembro de 1970, os advogados Heleno Fragoso, Augusto Sussekind de Moraes Filho e George Tavares foram presos, encapuzados e levados para a 4ª Subseção de Vigilância, no Alto da Boa Vista, no Rio de Janeiro. Jamais houve, no entanto, um processo que justificasse tal prisão, não foi feita uma acusação formal ou informal, nem mesmo seus familiares souberam por que eles estavam sendo levados.

Não haviam infringido leis, não tinham cometido um crime, o único motivo para terem sido presos era a atuação deles nos tribunais militares, defendendo presos e perseguidos políticos. Fragoso, Sussekind e Tavares fizeram parte de um grupo de advogados que não se intimidou com as arbitrariedades de um governo autoritário e conseguiu evitar, ou diminuir, o sofrimento daqueles que eram presos e torturados nos porões da ditadura.

Apesar de toda a sua importância, a história destes advogados raramente foi contada pela nossa imprensa, ou lembrada por nossos historiadores. Poucos se dedicaram a falar sobre os embates travados por estes homens e mulheres nos tribunais, para defender direitos civis básicos. As incansáveis batalhas para garantir um habeas corpus, as muitas estratégias para tentar conseguir a quebra de incomunicabilidade dos réus, a apreensão de entrarem numa prisão para visitar um cliente e não saber se iriam sair. Tais coisas eram uma rotina para estes advogados, dificuldades que compartilhavam na vida prática, além das afinidades éticas. Apesar das similaridades e da aproximação que as lutas diárias nos tribunais lhes trouxe, nunca se constituíram em um grupo organizado.

Eram advogados das mais diferentes correntes de pensamento, dos mais variados matizes políticos, que tinham como única característica comum o fato de não cobrarem honorários e de estarem dividindo as mesmas trincheiras contra a injustiça.

O livro Os advogados e a ditadura de 1964 ? A defesa dos perseguidos políticos no Brasil, lançado este mês numa parceria entre as editoras Vozes e PUC-Rio, traz algumas dessas histórias. Na primeira parte do livro, reunimos 15 textos assinados por especialistas de diferentes universidades brasileiras, quase todos resultantes de entrevistas dadas exclusivamente para o trabalho. Advogados como Airton Soares, Dalmo Dallari, Eny Moreira, George Tavares, Heleno Fragoso, Hélio Bicudo, Luiz Eduardo Greenhalgh, Marcello Alencar, Marcelo Cerqueira, Mário Simas, Modesto da Silveira, Sigmaringa Seixas, Sobral Pinto, Técio Lins e Silva e Wilson Mirza foram retratados no livro. Através de suas memórias podemos refletir sobre os terríveis anos de chumbo no Brasil e o papel da Justiça Militar durante o regime ditatorial, um período ainda muito nebuloso da nossa História. Durante as entrevistas, os advogados falaram das estratégias de defesa utilizadas, das dificuldades criadas pelo AI-5, das ameaças sofridas e das motivações individuais que fizeram com que muitas vezes puzessem a sua vida em risco para defender perseguidos e presos políticos.

Publicamos, na segunda parte do livro, mais cinco textos, com o objetivo de ampliar a visão que temos sobre aquele momento histórico. Os depoimentos da filha de um perseguido político exilado, Denize Goulart, filha do ex-presidente João Goulart; das ex-presas políticas Cecília Coimbra e Iná Meireles, que foram defendidas por esses advogados; de um preso advogado, José da Silva Seráfico de Assis Carvalho; e, ao final, um texto sobre o arcabouço normativo que sustentou a ditadura militar no país entre o golpe de 1964 e a Constituição de 1988.

Certamente não conseguimos reunir as histórias de todos que deveríamos, mas ajudamos a trazer luz para uma história ainda pouco contada, e esperamos estar contribuindo para a visão que o Brasil tem de si mesmo. Suas batalhas dentro e fora dos tribunais militares contribuíram para forçar a abertura política que o país viveu na década de 1980. Os 10 anos que separam a Lei de Anistia, em 1979, e as primeiras eleições presidenciais, em 1989, foram de muita luta, tensão e, principalmente, trabalho.

Fica a homenagem a esses homens e mulheres que resistiram quando muito poucos advogados tiveram a coragem de resistir, que escolheram a luta à omissão e que, desde os primeiros momentos do regime militar, se dispuseram a defender aqueles que muitos já consideravam condenados.

*Oswaldo Munteal é professor de História Moderna e Contemporânea da Uerj. Verônica Dalcanal é pesquisadora do Núcleo de Identidade Brasileira e História Contemporânea. Os dois são, respectivamente, co-organizador e coautora do livro Os advogados e a ditadura de 1964 ? A defesa dos perseguidos políticos no Brasil.

Retirado do site: http://www.oab-rj.org.br/index.jsp?conteudo=12553