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sábado, 8 de maio de 2010

JOÃO GOULART E O DIREITO A VERDADE E À MEMÓRIA

publicada em 04 de maio de 2010 na Revista Página 64 (http://www.blogger.com/www.pagina64.com.br)


OSWALDO MUNTEAL
Pesquisador do ABRAS- EBAPE-FGV
Professor da UERJ

“Jucelino, Jango e Lacerda, (...) na minha cabeça, eu não diria que nenhum deles morreu de morte natural. A suspeita e a dúvida existem evidentemente. Se esta Comissão puder aprofundar com fatos e testemunhas, penso que será da maior importância a apuração de tal procedimento.” (Miguel Arraes em depoimento a Comissão da Câmara dos Deputados para apurar as circunstâncias da morte do ex-presidente João Goulart).

O ex-governador Miguel Arraes era um homem de bem, lúcido e identificado profundamente com o Brasil. Saiu do país não por oportunismo ou veleidades pessoais, mas por ter sido forçado pela ditadura de 1964. Ele foi um dos primeiros a suspeitar de algo que salta aos olhos, o fato de Jango ter sido esquecido e a sua morte pouco estudada. A tese da morte natural de Jango é aceita por todos como a história oficial e, por isso mesmo, não precisa ser defendida. Cabe ao historiador sempre a dúvida, a pergunta que é a base da pesquisa científica. E como dizia Max Weber, o elemento essencial na busca da verdade científica: o interesse.

O contexto da morte do ex-presidente está sendo examinado com seriedade pela nossa equipe de pesquisa, com metodologia adequada à documentação e referenciais teóricos que nos permitem aprofundar a questão, e não apenas descrevê-la, como era comum no caso dos dedicados copistas medievais.

Para superar a exclusão da vida pública que sofreu o presidente Jango, faz-se mister o uso do conhecimento, de uma sabedoria de porte. Temos como referência central duas grandes obras do professor René Armand Dreifuss, denominadas “1964: a conquista do Estado” e “O jogo da direita”. A investigação meticulosa acerca do exílio do presidente João Goulart está debruçada sobre um tripé de informações.

1- A rede de relações perigosas que cercou o presidente desde 1954 até o plano para eliminá-lo em dezembro de 1976, que envolveu uma troca intensa de correspondências entre as autoridades da ditadura, objetivando o controle dos deslocamentos do presidente no exterior, a vigilância da sua casa, a infiltração de agentes do cone sul vinculados a Operação Condor e uma teia densa de contatos no exterior que demonstram o temor de que o presidente voltasse ao Brasil.

2- O depoimento do agente uruguaio Mario Neira Barreiro sobre a preparação de uma operação, que foi chamada de Escorpião, para envenenar o presidente. Barreiro é um criminoso e está preso na penitenciária de Charqueadas, mas não devemos ser tão ingênuos a ponto de desprezar um personagem da época. O depoimento do agente é peça fundamental no processo de pesquisa.

3- Numa entrevista recente, o ex-ministro Jarbas Passarinho afirma que durante o governo Geisel havia uma orientação de extermínio dos adversários políticos. Carl Schmitt, em sua densa obra, chama a atenção para o fato de que, em política, a dinâmica amigo/inimigo é muito intensa. Nesse sentido, aquele que está do outro lado é imediatamente qualificado como perigoso e passível de eliminação.
* (Documento abaixo em anexo Nº2)

Por outro lado, documentos desclassificados sobre as ditaduras na América Latina, recentemente liberados pelo governo norte-americano, demonstram como representantes desse país tinham conhecimento dos crimes políticos que vinham sendo praticados e ameaçavam diversas lideranças.

Em carta de agosto de 1976, Harry W. Shlaudemari, assessor de Kissinger para assuntos da América Latina, escreveu sobre a Operação Condor admitindo concordar com o embaixador americano em Montevidéu Hernest Siracusa em relação a uma lista de possíveis alvos de assassinato pela referida Operação no Uruguai. Deve-se considerar que tal advertência ocorreu quatro meses antes da morte suspeita de Goulart no país indicado pelo embaixador e segundo o documento desclassificado o Brasil tinha pleno conhecimento dos assassinatos seletivos do regime uruguaio.*(Documento abaixo em anexo N°1)

Há mais, a retomada deste período da história do Brasil fornece elementos importantes para uma concepção crítica da nossa realidade presente. O problema do direito a Verdade e a Memória relaciona-se diretamente à pesquisa sobre o período do exílio e da morte do presidente Jango. Não está fora deste foco, pelo contrário. Vem exatamente do golpe de 64 o sufocar da história mais sistemático. Poucos povos conhecem tão pouco um ex-presidente como no caso de João Goulart. A abertura dos arquivos da ditadura representa um avanço para a democracia brasileira, e consequentemente a apuração de responsabilidades. Não é hora de ter medo.

A quem interessa interromper o processo de arqueologia da história recente do Brasil?
Quais são as forças que, por exemplo, se insurgiram contra o PNDH 3 e a sua Comissão da Verdade?
Karl Marx escreveu que a história pode se repetir de duas maneiras: como farsa ou como tragédia. Faz-se necessário recorrer ao pensamento crítico quando desejamos chegar ao centro dos problemas.
Em primeiro lugar, deve-se ressaltar que quando se pretende uma agenda para os Direitos Humanos ela deve ser ampla e ter um alcance que sinalize inclusive para a fraternidade entre os povos. A luta pelo perdão da dívida externa no Haiti é, sem dúvida, uma questão dos direitos humanos. As bandeiras das diferenças: gênero, cor, opção sexual, tudo isto remete inexoravelmente aos direitos humanos.

Então tudo é direitos humanos? Sim. O terceiro PNDH é ambicioso, abrangente e corajoso. Por definição ele foi, depois das reformas de base, o programa mais fecundo já elaborado pela república. A rigor, assistimos a um linchamento da mídia e dos setores mais conservadores da sociedade brasileira, que em nome da tradição e dos bons costumes demonizaram as propostas sem a leitura adequada. Já vimos este filme antes e o povo brasileiro morre no final. O capítulo dos direitos sociais da constituição nacional saiu fortalecido com o III PNDH, mas a elite brasileira é impermeável à mudança. A grande imprensa parece abominar a liberdade de expressão. Ora, um segmento da sociedade não tem o direito de se expressar? De dar a sua opinião sobre os destinos do nosso país? A ditadura de 1964 deitou raízes profundas, deixou um saldo nefasto e, mais grave, criou defensores.

Os interesses que estão ocultos nas críticas ao conteúdo do III PNDH são aviltantes para a memória nacional. É preciso rever a história recente de nosso país, e a pesquisa sobre as circunstâncias da morte do presidente João Goulart é parte fundamental deste processo. A criação da Comissão da Verdade é um principio ético e constitucional para todos aqueles que defendem o estado de direito.

Os magistrados mais respeitados do nosso país reconhecem que toda a América Latina fez a sua revisão histórica a partir de uma relação profunda entre o Estado e os organismos da sociedade civil. O Brasil também precisa acertar contas com a sua história.

Documentos recentemente desclassificados pelas autoridades americanas que demonstram claramente o conhecimento do Secretário de Edtado Henry Kissinger sobre os assassinatos seletivios previstos no Uruguai, no ano de 1976.


DOCUMENTO Nº1

Doc 1 de 2




Tradução Griffo:

Encaminhamento do Secretário de Estado Americano ao seu Embaixador em Montevidéu, Sr. Harry W. Shlaudeman


Tradução Griffo:


"...foi estabelecida a Operação Condor para achar e matar os terroristas da Coordenação do Comité Revolucionário nos seus própios países e na europa. O Brasil está cooperando estreitamente com as operações de assassinatos".


Doc 2 de 2



Tradução Griffo:

"....a CIA não acredita que a reresentação de Siracusa possa colocar ele em perigo com o espectro das conversações sobre a Operação Condor entre os oficiais dos serviços de segurança do Conesul".


"...nossa aproximação original é concebida no sentido de continuar trocando informações na área de Montevideú"


Para ler entrevista com Jarbas Passarinho concedida para o Caderno do Jornal O Globo em 04/04/2010, clique aqui

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